Diálogo Interativo

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28 setembro, 2006

Por que voto em Lula para presidente

"O Lula é uma parte do povo desse país que adquiriu consciência política. É por isso que eu não caio. Porque eu não sou sozinho. A hora que eles tirarem as minhas pernas, eu vou andar pelas pernas de vocês; a hora que eles tirarem os meus braços, eu vou gesticular pelos braços de vocês; a hora que eles tirarem o meu coração, eu vou amar pelo coração de vocês. E a hora que eles tirarem a minha cabeça, eu vou pensar pela cabeça de vocês!"
Este foi o trecho mais emocionante do discurso do presidente Lula no comício de Belo Horizonte, na terça 26. Com exceção de 1989, fui em todos os comícios de Lula realizados em BH.
Decidi começar este texto com a citação acima porque quero fazer uma análise menos fria das minhas razões para defender o meu voto incondicional em Lula.
Acompanho a trajetória do presidente desde os meus sete anos. Na época, eu dizia em casa que as greves eram uma espécie de pirraça que os trabalhadores faziam para que os patrões lhes dessem um salário melhor. E achava curioso aquele barbudo de voz rouca e língua presa enfrentar o governo e os empresários, criticar, reivindicar. Era muita coragem, mesmo na época da "abertura" do Figueiredo.
Depois, veio a fundação do PT, veio Lula deputado constituinte, eleito com 650 mil votos, veio a emoção de 1989 (meu primeiro voto), veio 1994 com Lula atropelado pelo Plano Real (estabilidade conseguida, mas a sociedade pagou caro por ela), veio 1998 com a dificuldade de tentar vencer FHC que estava no poder. E veio 2002, sem comentários.
Com exceção dos problemas com Waldomiro Diniz, Marcos Valério e a lambança do Dossiê Tabajara (tudo obra de gente que não merecia a confiança do presidente — ele tem o mesmo defeito que eu tenho de confiar demais nas pessoas), o governo Lula funcionou dentro das minhas expectativas de cidadão e de militante. Não vou me alongar, pois levaria dias para escrever tudo que considero importante a respeito. Aí, ninguém iria ler...
Cito só algumas realizações deste governo.
- Bolsa Família: os programas sociais que existiam foram unificados, aperfeiçoados e vinculados à freqüência escolar e à carteira de vacinação. Resultado: cerca de 40 milhões de pessoas atendidas, fora o reflexo a longo prazo da permanência das crianças na escola.
- Luz para Todos: até agora, 3 milhões de pessoas a mais com eletricidade em casa no meio rural. Eu morei dois anos e meio sem luz num bairro da periferia de Santa Luzia, e sei o que é a alegria de chegar em casa e acender lâmpada, tomar banho de chuveiro quente.
- Blitz contra o trabalho escravo.
- Revisão do Provão, com um novo modelo de avaliação que afere também as universidades.
- Mais escolas técnicas federais.
- ProUni. 400 mil estudantes beneficiados.
- Três vezes mais marcas de medicamentos genéricos no mercado.
- 1,2 milhão de moradias entregues em três anos e meio.
- Fortalecimento da Polícia Federal. 3.405 pessoas presas, contra 54 nos três últimos anos do governo anterior.
- Controladoria Geral da União: ganhou orçamento próprio e fiscaliza prefeituras por sorteio — já foram mais de 900, dos 5.500 municípios do país.
- Comunidades remanescentes de quilombos estão sendo reconhecidas oficialmente como tal pelo Governo. A partir de então, passa a ter acesso a programas específicos. Na zona rural de Brumadinho fica a comunidade de Sapé, já reconhecida, que recebeu em 2003 a visita da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
- Superávit recorde da balança comercial.
- Manutenção da inflação sob controle.
- Quitação da dívida com o FMI, com a conseqüente redução da dependência externa.
- Cumprimento de todos os contratos assumidos no governo anterior.
- As exportações dobraram.
- Comércio com potências emergentes quase triplicou.
- O governo rejeitou as imposições da ALCA.
- Brasil liderou a missão de paz da ONU no Haiti.
- 245 mil famílias assentadas no campo.
- Lei Nacional da Agricultura Familiar.
- Recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) quase quadruplicaram.
- Apoio à produção de veículos bicombustível e criação do programa do biodiesel.
- Fim das privatizações no setor elétrico.
- Ampliação do acesso à telefonia, com implantação de telefones públicos em comunidades com mais de 100 moradores.
- Criação de 6 milhões de postos de trabalho. Ao contrário do que se diz, Lula nunca prometeu criar 10 milhões de empregos. Disse, em 2002, ao ser entrevistado pelo Canal Livre, da Rede Bandeirantes, que o Brasil tinha potencial para gerar 10 milhões de postos de trabalho em quatro anos.
É claro que ainda há muito o que fazer. Por isso mesmo, vale a pena Lula continuar na Presidência: para não se perder o que já foi feito e para haver continuidade dos projetos, coisa rara no nosso país.Para terminar, reproduzo o artigo abaixo, escrito hoje, que é uma das melhores análises que li sobre a mudança de perfil do eleitorado de Lula.

Porque são pobres, nordestinos e negros
por Maria Inês Nassif, do Valor Econômico

Talvez por embutir um corte social no eleitorado inédito, este processo eleitoral transborda preconceitos. Primeiro, a análise do fenômeno sociológico do voto do pobre, descolado de formadores de opinião, derivou para o preconceito do "voto vendido" por um prato de comida, simbolizado pelo Bolsa Família. Depois, o voto nordestino foi colocado no mesmo saco do coronelismo, como se tivesse ocorrido uma negociação individual desse eleitor com o candidato a presidente. Agora, entrou em cena o voto dos negros (que, nas pesquisas, são a soma dos pretos e pardos). A última conclusão, derivada da pesquisa do Ibope da semana passada, é que os negros dão menos importância à ética que os brancos - e por isso tenderiam a eleger, em sua maioria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Se a elite brasileira não jogar fora seus preconceitos, será difícil entender o que ocorre nessas eleições. Falta enxergar um pouco a realidade social desse país. A começar pela realidade dos negros, entre eles, em especial, dos pretos. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2005, elaborada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a partir da PNAD 2004 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), os negros representam 48% da população, mas são 66,6% dos 10% mais pobres e 15,8% dos 1% mais ricos. Os trabalhadores negros recebem cerca de 2 salários mínimos por mês, enquanto os brancos ganham 3,8 salários, em média. A taxa de analfabetismo dos negros é de 16%, mais do que o dobro da dos brancos, de 7%.
Isso não é tudo. A personificação do preconceito embutido na avaliação do voto do negro são as estatísticas de morte pela polícia. Segundo pesquisa de Marcelo Paixão, da ONG Fase, em 2001, enquanto os pretos representavam 11% da população do Rio, eram 32,5% dos mortos pela polícia; os pardos, que eram 34% da população do Estado, representavam 21,8% dos mortos pela polícia; e os brancos, 54,5% da população, eram 19,7% dos mortos pela polícia. O levantamento foi feito entre janeiro de 1998 e setembro de 2002 e os dados populacionais são do Censo de 2000. Segundo estudo coordenado pelo sociólogo Ignacio Canno para o Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005, a taxa de homicídio de negros , entre janeiro de 1993 e julho de 1996, era 1,9 vez maior que a dos brancos.
Por esse quadro, não precisa ser um especialista para concluir que a população negra está mais exposta aos benefícios do Bolsa Família e do aumento do poder de compra do salário mínimo. Ainda assim, dado o grau de pobreza do negro - além de 64% dos pobres, representam 68% dos indigentes, segundo números de 2001 - não parece que a situação dada seja totalmente satisfatória: 25% dos negros entrevistados pelo Ibope na semana passada se diziam insatisfeitos em relação à vida que levam, contra 21% dos brancos; 62% dos pretos se declararam satisfeitos, contra 69% dos brancos.
Na sondagem de intenção de voto, não parece que as preferências dos pretos se descolem dos índices dos mais pobres: na pesquisa espontânea, o presidente Lula teria 60% dos votos dos pretos entrevistados; entre todos que ganham até um salário mínimo, captaria 67% dos votos, e 54% entre os que ganham de 1 a 2 salários mínimos. Segundo a pesquisa, 64% dos negros aprovam a maneira como Lula conduz o país e 62% dos pardos também - contra 48% dos brancos. Os negros aprovam mais a administração Lula porque são negros, ou porque são pobres? Entre os entrevistados que ganham até 1 salário mínimo, 68% dizem que aprovam; dos que ganham de 1 a 2 salários mínimos, 59% responderam a mesma coisa. No Nordeste, 72% dos entrevistados afirmaram que aprovam a maneira como Lula vem administrando o país. Responderam isso porque são pobres, negros ou nordestinos? E o que a pergunta embute? A forma de administrar o país é qual?
Depois de perguntar em quem o entrevistado votou no segundo turno das eleições de 2002, o Ibope formula a seguinte pergunta: "Você votaria ou não votaria em um político acusado de corrupção, ou citado em algum caso de corrupção?". Respondem que votariam 7% dos brancos, 11% dos pretos e 8% dos pardos - o que, na linguagem de pesquisa, estaria dentro da margem de erro. À pergunta de qual o partido mais ético, o PT ganhou, com 18% - no Nordeste, 28% dos entrevistados tinham essa opinião; 26% dos negros e 19% dos pardos achavam a mesma coisa.
Por que acham isso? Porque são pretos, pobres ou nordestinos? O PT ganhou também no quesito "menos ético": 31% dos entrevistados consideraram assim - no Nordeste e na faixa de renda familiar de até um salário mínimo, essa opinião decresce para 21% dos entrevistados. Entre os brancos, 34% acham que o PT é o partido mais corrupto; entre os pretos, 23% e, entre os pardos, 28%. Se pretos e pardos votam em sua maioria em Lula, e se consideram menos que os brancos que o PT é corrupto - e mais que os brancos que o PT é menos corrupto - por que então a conclusão de que Lula tem mais votos dos negros porque eles têm menos apego à ética?Se a elite brasileira aprendeu só esse tortuoso travo racial de um processo eleitoral que é rico pelo que ele tem de novo, pobre deste país. Mais pobre que os pobres, os pretos e os nordestinos.
Seria o caso dessa elite começar a tentar responder outras perguntas. A primeira delas é: por que ocorreu um corte social tão profundo nessas eleições? A segunda: por que os partidos não acompanharam esse movimento, muito pelo contrário, acabaram por facilitar a personalização desse corte na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? A última: por que a elite, em vez de fazer a reflexão sobre a realidade social do país, assume um discurso que pretende criminalizar a pobreza por uma escolha democrática? A escolha do pobre não é crime. Reflete anseios, um descaso secular, uma distância profunda dos ricos. É uma escolha racional.

Pois bem: sou branco, de classe média, não sou nordestino e tenho curso superior completo. Mesmo assim, voto em Luiz Inácio Lula da Silva, 60 anos (61 em 27/10), número 13, para presidente do meu país, da minha terra, da minha gente. Voto em Lula para presidente do futuro dos meus filhos, das novas gerações que vão ler nos livros de História que um ex-operário não fez tudo que queria, mas deu os primeiros passos para tornar o Brasil um país menos desigual, apesar do arrepio de uma elite podre, fedida, que tentou a todo custo sabotar a mudança. Se der segundo turno, não tem importância. Vou pra rua ainda com mais gás do que agora, defender a eleição do mais legítimo representante do povo que já existiu no Brasil.
Boa eleição a todos. E que chegue a segunda-feira!

2 Comments:

  • At 23:31, Blogger Carmen said…

    Por que ele não foi ao debate?

     
  • At 11:26, Blogger João Flávio Resende said…

    Carmen,
    A carta que Lula encaminhou à Rede Globo diz textualmente o seguinte:
    "Venho agradecer, respeitosamente, o convite desta emissora para participar do debate sobre as eleições presidenciais, marcado para hoje. Sou um dos políticos que mais participou de debates eleitorais neste país. No entanto, é fato público e notório o grau de virulência e desespero de alguns adversários, que estão deixando em segundo plano o debate de propostas e idéias, para se dedicar, quase exclusivamente, aos ataques gratuitos e agressões pessoais.
    Tenho demonstrado, em toda a minha vida, compromisso com os princípios democráticos e disposição para enfrentar qualquer tipo de debate. Somente na TV Globo, participei de três entrevistas ao vivo no "Jornal Nacional", no "Jornal da Globo" e no "Bom Dia Brasil" com perguntas livres e contundentes. O tom polêmico destas entrevistas, e a maneira como me comportei, demonstram que não tenho receio de enfrentar o debate franco e democrático.
    Não posso, porém, render-me à ação premeditada e articulada de alguns adversários que pretendiam transformar o debate desta noite em uma arena de grosserias e agressões, em um jogo de cartas marcadas.
    Aproveito para reafirmar o meu respeito à TV Globo e parabenizá-la pelo trabalho isento que vem fazendo na cobertura destas eleições."
    Acredito que Lula tenha avaliado os riscos junto com seus colaboradores mais próximos e decidido pelo que traria menos problemas para a eleição de domingo. Uma análise fria, portanto. Eu penso que deveria ter ido. Seja qual for a circunstância, a gente deve enfrentar as situações de peito aberto. E num debate entre candidatos também deve ser assim.
    Beijo.

     

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